segunda-feira, 28 de abril de 2014

O dia em que eu recebi meu cartão de crédito

Há algo de errado em entrevistas de emprego. Todos são proativos, sabem lidar com o grupo e trabalhar em equipe. Todo mundo aprende rápido e possui flexibilidade, seja ela emocional, temporal ou outro bla bla bla. Mas no fim, todo mundo é um nada. Ninguém diz na entrevista de emprego que rói a unha ou que tem oscilações de humor nas manhãs de segunda feira. Ninguém conta que procrastina os trabalhos da sexta feira. Se os currículos fossem todos iguais, o critério utilizado para seleção das pessoas nas empresas seria preferência culinária, habilidades artísticas e desenvoltura esportiva.
Na caixa de correio hoje pela manhã, descobri uma carta do Banco. Um cartão de crédito com meu nome, com data de vencimento para daqui há 6 anos e com uma insígnia internacional.  Não veio dizendo que crédito na verdade é um dinheiro que você pode gastar apesar de você não o ter. Não explicaram os seguros que você vai se cadastrar sem ao menos saber.
Sabe o que eu sou?

Sou aquelas letras minúsculas que aparecem no canto esquerdo dos anúncios da tv. Letras essas que as empresas são obrigadas a colocar com os requesitos necessários para aquela promoção superextraordinária ser cumprida. Esse sou eu. Sou o aviso de erro que ninguém lê.

Todo mundo é um pouco daquelas letras minúsculas, perdidas no fim do comercial. Mas todo mundo quer ser a letra de amor do chico. Todo mundo é sem preconceitos e tolerante. Todo mundo tem bom humor na segunda feira.
Até mesmo a subversividade é nula. Tudo poderia ser substituído pelo equilíbrio da natureza. Sem a gente por aqui. Seguindo apenas o equilíbrio natural que as coisas tendem a seguir.

Mas então, neto. Tudo isso aqui faz parte do equilíbrio. O que seria  do equilíbrio se uma das partes não tendesse para um dos lados? E o que seriam das partes se elas não corressem atrás da própria gana, da própria bizarrice, se não levantasse as próprias bandeiras e cantasse as músicas que os representam. Até os que não levantam bandeira nenhuma, lutam pela causa individual de poder ser livre para não levantar bandeira nenhuma. Mas a gente nasce livre. Não é difícil perceber. LIVRE

LIVRE pra dizer que não precisa tomar refrigerante para arrotar, pois ao longo dos anos você aprendeu uma técnica revolucionária para utilizar o próprio ar atmosférico para produzir sons guturais na mesa do almoço com seu chefe. E ele rir.
Para dizer que, segundo a psicologia, você tem tendências suicidas e tristeza aguda mesclada com depressão, que na verdade é só aquela vontade de não existir que aparece quando você perde o ponto de ônibus e tem que andar 1 km ao invés de 100 metros. Aquela vontade de explodir que te dá ao perceber que a notícia mais relevante do jornal da tarde é sobre o buraco da rua que você passa todos os dias. Aquela vontade que te dá quando pensa nos amores que você não superou e em todas as possíveis candidatas que você teria a futura namorada se não fosse um merda que não acredita nem em si mesmo. Aquela vontade de que um cometa exploda o chão da terra quando percebe que o universo é cego.

Mas na verdade, você não é livre nem pra dizer que escreve textos às 3 da manhã sem que não haja nenhum retorno para você. Nem pra dizer que não quer morrer sozinho e que na verdade você queria namorar aquela guria. Não sinto.
Ser livre pra ser eu mesmo? Piada do mundo moderno. Partindo do dia de hoje, eu sou apenas o número do meu cartão de crédito.

terça-feira, 22 de abril de 2014

ronaldo

E na final da copa de dois mil e dois, ronaldo chuta a bola num rebote e bota pro gol. E depois, numa jogada um tanto bonita, mais uma vez coloca pra dentro do gol a bola, junto com a derrota da Alemanha e o sorriso no rosto dos brasileiros. Não tenho certeza como foi o decorrer da semana no país, mas no mínimo, ganhamos feriados para a ressaca. Porque trabalhar se o Brasil ganhou a copa do mundo ontem? E eu não estou reclamando, dizendo que brasileiro é preguiçoso e todo aquele blah blah. Não trabalhar faria tanto sentido quanto ir trabalhar.
Eu tinha seis anos e admito que não lembro de muita coisa. Não lembro como reagi, como meus pais reagiram. Mas lembro que eu estava errado."Mas errado porque?"
Porque eu fui o espermatozóide vencedor.
A culpa é do rato. Do rato que eles tentam pegar todos os dias mas não conseguem. A falta de sentido do queijo que poderia alimentar algumas bocas famintas. Mas o erro é meu. Ronaldo, com seu cabelo ridículo se tornando herói de um povo. Ronaldinho sendo substituído nos últimos momentos. Kaká, que ninguém sabe ao certo se entrou ou não no jogo. Felipão. Galvão Bueno.
E onde eu estava?

Todo mundo em seu lugar, fazendo suas coisas. O que mais eu poderia fazer se não fizesse minhas coisas? As coisas. Respirar forte. Suspirar, como dizem. Brigar com o mundo para conseguir a primeira transa. Usar camisinha para não pegar aids e para não ter filho.
Para não ter filho. Inibir a minha natureza humana e meu instinto animal para suprir meus desejos. Inibir o mundo.
Mas e se na fábrica, a camisinha não passasse por uma verificação, se o engenheiro de produção não tivesse planejado bem e o mecatrônico tivesse esquecido daquela linha do código em COBOL.
Deus do céu, saber que sou um sequência de erros não me faz querer levantar da cama, querer um bom emprego ou aprender a tocar aquela música no bandolim.
A vontade de apertar o delete e segurá-lo é sempre válida. Está sempre aqui comigo.
Mas a culpa é do rato.
O fodão é Ronaldo.
A rola grossa quem tem é Alexandre Frota, que lê bukowski e não tem preconceitos contra travestis. Aquele site pornô, aquela revista de fofocas.

A fraqueza do dia a dia dá um pouco de forças praqueles que pegam menos no supino. E corre. Corre, josé. José não anda mais.

Ronaldos sendo registrados em cartórios. Ronaldos sem talendo nato pro futebol. Ronaldos dirigindo empresas. Toda forma de poder é ilusória se um dos lados deixar de existir. Eu não existo. Mas para negar a existência, é preciso que exista algo. E no algo: eu renasço. Ressurgindo das cinzas. Sem entender o cheiro de queimado. 
Joãos sendo registrados. Mas joão não foi herói. João não ganhou copa, não dirigiu empresas. João afogou Jesus Cristo num rio de forma tão rápida, que acharam que ele tava lavando o cabelo dele. João enxugou os pés de Jesus. João não era a luz, mas era a testemunha dela.
Os ronaldos possuem pés, chuteiras e talentos natos. Os ronaldos jogam bola, comem travestis. Colocam culpa na tireoide para o sobrepeso. Mas ninguém era obeso em auchvitz. Nem todo mundo sabe escrever alemão. Nem todo mundo sabe traduzir Nitche sem usar as notas de rodapé.

Certa vez conheci um cara chamado Vênus. Ele tinha uma camisa legal. Ela era furada. E boa parte da minha melancolia nasceu por causa do inglorioso fato da camisa de vênus estar furada.
Eu estou sempre atrasado. Nove meses de atraso, baby.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, Luiz Felipe Pondé

Estou ficando velho.
Mas isto pouco tem a ver com o fato de estar saindo finos pelos dos poros de meu rosto. Pouco tem a ver com o tamanho do meu pênis ou com a minha altura. Cheguei à conclusão de estar ficando velho porque tenho dado mais atenção a minha cama, com meus livros, minhas músicas absurdas e meus pensamentos mal amados do que para o mundo-lá-fora, por trás da janela (ou seria à frente da janela?). Parece que eu fui acordado e ainda não tenho controle total de minha consciência. Mas sei que fui acordado. Eu mesmo me acordei. Me obriguei a sonhar com uma queda e acordei antes de tocar o chão onírico.
Estou velho. Os shoppings estão cheios de pessoas que eu evito, as lojas de departamento, as lanchonetes. As casas dos meus amigos. O mundo virou um churrasco na laje e meu corpo recusa as carnes.

Politicamente correto é bem mais do que se imagina. É uma fórmula extremamente bem elaborada, que apesar de não fazer sentido, foi pensada de tal forma que não é possível refutá-la aos olhos de quem a usa. Eu diria que  é um mecanismo do mal em uma embalagem do bem. E Pondé vai lá e coloca uma etiqueta na embalagem informando: "Imagens meramente ilustrativas".
"Imagem meramente ilustrativa" é um artifício criado pela publicidade para dizer na sua cara que está mentindo com o único e meticuloso objetivo: fazer você comprar determinado produto. Mas que meio mais idiota é esse? Mentir para alguém, dizer que está mentindo e ainda fazer esse alguém comprar o produto por meio de uma mentira "autorizada"?

Bem vindo ao mundo moderno.
E sabe o pior? É necessário que existam pessoas idiotas o suficiente para não enxergar o "imagens meramente ilustrativas". É preciso gente idiota pra enxergar e comprar mesmo assim. No geral, é preciso gente idiota.
E nesse quesito, o mundo supera as expectativas e a mágica acontece: temos mais gente idiota do que pessoas espertas. E os espertos carregam o mundo.
Há os idiotas espertos, mas esses não carregam nada. A não ser os próprios medos e o rabo entre as pernas.

Pondé, na verdade, transformou muitos dos meus pensamentos corriqueiros e cotidianos em teorias, sustentadas por nomes e obras acadêmicas e literárias. Foi como uma extensão das minhas indignações. O livro não foi mais fantástico por eu não ser o público alvo. Pondé escreve com uma certa raiva na pena, que eu compartilho. Mas a raiva dele direciona a escrita a atingir alguém com força. Como um soco. E pra mim, o livro não foi como um soco. Eu já estava socando o mundo moderno há tempos, o livro apenas me deu mais força. Gritou algumas palavras de incentivo à beirada do ringue. E a torcida esperava tudo de mim. O mundo nas costas.

Me parece ser um leitura necessária para a maior parte dos jovens adolescentes que usam a internet, as redes sociais. Para os que ainda tem esperança na faculdade, que acreditam no ensino médio. Para os vegetarianos, leitores do Tumblr e editoras de blogs de moda. Para os professores do ensino público e para os administradores dos grupos do whatsapp.

E ao longo da leitura, eu pensei em vários amigos e amigas. Ou "amigos e "amigas". Pensei na raiva que Pondé levaria até eles e no abandono que eles fariam da leitura. Na incoerência dos argumentos que eles tentariam usar comigo. Mas eu os diria que não me importo nem um pouco. Mas na minha cabeça, ficaria maquinando e chegaria à conclusão: "eu me importo. me importo até mais que eles. me importo o suficiente para gastar meu precioso tempo e o mais precioso ainda: o pensamento. e tudo isso para algo que eu não me importo? não, eu me importo sim. mas é mais fácil dizer que não. é como uma máscara. é o mesmo princípio da máscara que eles usam, mas a minha eu pensei sozinho. ou será que não?"

E aí entraria num ciclo vicioso. Somos todos iguais. Os que carregam o mundo e os que são idiotas. Estamos todos vinculados aos mesmo instintos, pois somos humanos, biologicamente falando, e estamos condicionados às mesmas influências. Por mais infinitas que elas possam parecer, elas são finitas. Estamos limitados por nossa própria grandeza. Tem um fim. Saca?
meio vesgo, pra somar com Sartre e fazer meu cérebro gozar com essa vesguice ideária.


Ponto final, antes que seja tarde.

sábado, 12 de abril de 2014

Com a morte na alma, de Jean-Paul Sartre [1949]


Eu tenho um bigode, Yuri.
Você deve estar achando que eu tenho algum tipo de fetiche com Sartre. Até agora foram 6 posts e 3 sobre o Frâncês vesguinho. Produtor do existencialismo e tudo mais. O cara é foda mesmo. No primeiro texto que aqui escrevi sobre o vesguinho e sua obra, disse que ele me ganhou por identificação. A princípio, dos personagens, mas à medida em que fui o conhecendo, identifiquei-me com o próprio também. Eu também sou vesgo. Meus olhos são corretamente alinhados, mas minha alma tem um tanto de vesguice.

E aí eu parti para ler o terceiro volume da trilogia de Sartre, já sabendo que ia me foder. E me fodi.

Tão livre que bota os peitos pra fora.

Liberdade, liberdade. Não tenho mais o que pensar sobre ela. Sartre parece que já pensou tudo, já escreveu tudo. Na base de metáforas, a filosofia dele está jogada nessa trilogia. E não é só Mathieu ou Brunet que está com a morte na alma. Todos nós. O fato de nós não podermos escolher se vamos nascer ou não, nos põe nesta condição: simplesmente temos que aceitar o fato da vida.
Alguns dirão que o suicídio é a forma escolher a outra opção à vida, mas não é. O suicídio é apenas a negação do que não pode ser negado. Assim como o pobre tem a capacidade de se endividar, o ser humano tem o poder de se matar. Mas ter o poder de se matar não implica ter o poder de morrer.
E essa prisão não é culpa do sistema capitalista, da cultura carnívora que herdamos ou mesmo da grandiosidade utópica do socialismo. É culpa da cegueira do universo, como diria Pondé (alvo de um texto futuro).

Gosto do Sartre porque ele não para a sua obra nela mesma. Enquanto ele fala sobre socialismo, parece estar falando sobre um turbilhão de coisas, que a uma primeira leitura parecem inexistentes. Gosto dele pela facilidade de falar de  tudo num nada. Numa linha de existência, ele condena os leitores à liberdade, assim como nas suas teorias. Confesso que estou com um frisson em aberto para ler "A náusea" e "O muro".



Quanto à forma que "Com a morte na alma" possui, tenho uma nota para comentar. Não é nada de original ou revolucionário para mim a forma que o livro é narrado ou escrito. A divisão segue a mesma dos dois primeiros livros, um capítulo para cada dia, nem sempre sendo dias seguidos. A mudança de visões não é tão cinematográfica quanto o segundo volume. A marca que fica registrada deste volume é o fato como o fim dos personagens aparece de forma sutil e dúbia. Ele dá um fim sem dar. Ninguém necessariamente morre, casa, vai lutar na fronte da Inglaterra ou sequer consegue reunir os membros do partido comunista. Ele dá uma resposta para tudo de uma forma tão leve, tão inexistente, que faz parecer que não houveram as mortes.

E talvez, nessa forma indiferente de dar os finais devidos para cada personagem, resida uma pitada de existencialismo: não importa muito como as coisas vão acontecer, no final, tudo vai dar merda. Todo mundo vai morrer. E mesmo que importe como as coisas acontecem, Sartre nos mostra que os finais estão presos nas nossas próprias limitações, nos buracos do enredo. Não há muitas alternativas.

Talvez mais que os outros livros da série, "Com a morte na alma" deixou fixa em minha memória cenas épicas. Cenas que eu lembro quase todos os dias, pois elas se instalaram no meu cotidiano. Um livro que ao final parece dar a resposta para todos os problemas de nossa vida besta. Mathieu assassinando seus demônios empunhado com o rifle que achou embaixo dos escombros. Com o sorriso banhado em sangue. Os pobres escravos do inferno presos no trem em direção à Alemanha. Os miseráveis momentos de dúvida e descrença na vida. E no final, perceber que não importava o destino. A vida continuaria a existir. O sol nasceria e tudo seria parte do mesmo filme, rodando no mesmo cinema velho. É como voltar pra casa no ônibus lotado: não importa o destino final, a vida vai continuar a mesma. Seguindo o sentido eterno de "pra frente" na linha temporal.

Há os homens que chegam cansados em casa, depois de jornadas de trabalho medonhas e dias recheados de vozes, reclamações e estresses dos mais diversos. Há o homens que não se importam nem mesmo com o fato de não se importar. Há aqueles que se perdem na cama e se acham na rua. Há aqueles que procuram resposta para todas as almas desnorteadas e para todos os problemas da vida besta que não podem ser resolvidos nas páginas dos livros. Salvo este último estará se deparar-se com esta trilogia. Porque todos os caminhos, são o caminho inevitável da liberdade. Tão inevitável que ele deixa de existir por sua condição outorgada.

Leiam Sartre. Se quiserem.


Pra quem quer saber mais sobre Sartre:

Documentário elaborado pelo próprio Sartre, onde ele senta e fala sobre sua vida durante 3 horas. Ainda não o assisti completo, pois quero ler mais da obra dele para me abstrair melhor das referências biográficas que ele joga no meio dos seus textos.
Sartre Por Ele Mesmo / Sartre par lui même (1976)

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Documentário produzido pela BBC sobre Sartre, abrangendo sua biografia e mesclando ela com sua obra literária e filosófica. Conta com depoimentos de amigos pessoais de Sartre e de estudiosos de sua obra. Esse eu vi todo e indico muito. É bastante didático e simples. Não é tão pesado quanto o que foi citado acima. É bem fiel e muito bem produzido. Com direito até pequenas montagens cinematográficas de trechos das obras de Sartre.

BBC - Humano, Demasiado Humano - Jean-Paul Sartre - O Caminho Para a Liberdade


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Entrevista com o professor Franklin Leopoldo, da USP, onde ele fala sobre a trilogia "Os caminhos da liberdade". Conteúdo bem específico que vai dar um panorama mais acadêmico para algumas coisas que eu disse em meus textos sobre a trilogia. Para quem leu, é bastante reflexiva a entrevista, pois dá conceitos e estruturas filosóficas as quais Sartre utilizou para escrever a série.

Literatura Fundamental 15 - Trilogia Os caminhos da liberdade - Franklin Leopoldo e Silva

Até a próxima, amorecos.