sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Livro #2: A idade da razão - de Jean-Paul Sartre [1945]

A prova de que genialidade não anda de mãos dadas com a beleza.
É um tanto assustador como algumas vezes parece que estamos ligados a certas pessoas mesmo sem conhecê-las. É um tanto assustador como certas pessoas pensam as mesmas coisas que nós, como o universo girou da mesma forma para os dois lados, mesmo sendo contrário a certas leis sociais, físicas, biológicas e culturais.
Imagine só que louco, caro lépido leitor, neste mundo gigante, cheio de ruas sem saída, de cadeiras vazias e discussões inúteis, ter alguém que quer fugir para um lugar comum ao que você imagina. Imagine que mais louco ainda se as ideias desta pessoas chegam até você. Parece ser a pessoa perfeita, a qual você se perderia na floresta para poder tentar entender melhor a si mesmo longe das instâncias da nossa sociedade de rédeas. A pessoas com a qual você escreveria a tese de construção de um novo modelo político baseado na necessidade e individualidade de cada um, vulgarmente conhecida como "a política do foda-se o mundo, eu quero é rir das piadas ruins".
Agora, caro serelepe leitor, imagine que esta pessoa é um personagem de um livro. O que fazer? A quem gritar? Que ônibus pegar para se encontrar com tal pessoa? Nenhum.
Toda a infinita existência do ser humano perfeito distribuída num número fixo e concreto páginas.
Para incrementar um pouco a metáfora, imagine que todos os personagens de um livro tivessem um tanto da descrição acima. E imagine mais além e realize que o livro é uma metáfora muito bem pensada para sua vida.
Falo aqui de "A idade da razão", de Jean-Paul Sartre.
O enredo é mínimo, talvez o que menos me interesse. E esse talvez seja o ponto mais forte do livro. É certo que tudo ao nosso redor é desinteressante, dependendo de qual ângulo se vê. Cada ato de nossa vida tem um tanto deste ideal. Escrever uma história em algumas folhas brancas e ilustrá-las com tintas velhas em um sótão de uma casinha na Alemanha enquanto sofre de febre e treme de frio parece ser uma coisa idiota, mas quando é Max, personagem de Marcus Zuzak - e porque não da vida -, este fato parece fantástico.
E o que é que faz o livro infantil de Max ser fantástico? Os motivos pelos quais ele o fez, o contexto sob o qual ele estava quando produziu e etc.
Entendem o que eu quero dizer? O que importa não é apenas o fato em si, mas as pessoas que o fazem, a forma como fazem, os motivos que as levaram a fazer e as consequências que o fato tomará dali em diante. Juntando o que acabei de dizer com a ideia que Júlio Rocha cita em seu livro "Técnicas para escrever ficção", em que ele diz que um personagem bom é o que faz a história, temos a receita mágica para "A idade da Razão": bons personagens, com boas razões, com belas personalidades, e assim como todos nós, em busca de liberdade.

Não, não se pode ser livre. O ser mais livre de todos, no fim das contas, é preso no seu ideal de liberdade. Mas o que é a liberdade? Ela seria tangível em alguma circunstância?
Talvez no inverno distante de plutão. Não, nem lá. Talvez no meu mundo invisível. Não.
A liberdade está presa em cada um, no que a gente faz e em como a gente faz. Nas causas, e consequências. Os personagens de "A idade da razão" mostram de forma concisa e difícil de se ler nas entrelinhas que na verdade a liberdade é uma farsa. O que vale é crer nela, talvez. Como um deus de uma mitologia distante.
Mathieu em sua vida supostamente liberta, passa a ser preso por todos que estão ao seu redor. Pelo amor ingênuo que sente por Ivitch, pela idolatria que inspira em Bóris, pela raiva infantil que faz nascer em Lola e pela prisão que Marcelle construíu dentro de seu quarto rosa. E é assim com todo mundo: somos presos porque quem está a nossa volta, por quem e o quê a gente ama. O mais próximo de liberdade que a gente consegue chegar seria longe de tudo que conhecemos. Perto do vazio. Mas o presente sempre está cheio demais, sempre penoso e um tanto doloroso. O que nos faz viver é uma esperança vaga do futuro. E "a vida se faz de futuro tanto quanto os corpos se fazem de vácuo" (A idade da razão, Sartre)
Ivitch e sua inconsequência, sua infantilidade que beira a perfeição. Adimito que me apaixonei um tanto pelas pequenas esquizofrenias que acometiam a minha pequenina Ivitch. Apesar de não saber a pronuncia do seu nome, ela me parecia ter o aroma biológico de uma flor semiextinta. Uma espécie de feromônio cerebral. A loucura dela parece um tanto com a minha. A insensatez dela, a infelicidade travestida e a calma altamente elétrica dela parecem coexistir entre o meu e o corpo imaginário dela. Ivitch, por mais que sentisse calor, parecia sempre agasalhada, encolhida e procurando calor. Mas, querida Ivitch, o calor não vem nessa vida. É mesmo tudo frio e traiçoeiro e não adianta se acolher. Queria dizer para Ivitch tudo o que diria a mim mesmo.
Boris e sua idolatria por Mathieu. Porém, por trás do amor cego, Boris não enxerga o verdadeiro Mathieu intrigado, confuso e com medo de seus resultados falhos. É um tanto invejável como Boris vê apenas o lado bom de Mathieu, apesar de moralmente dúbio.
Lola e seu amor, Marcelle e sua prisão tão libertária. E todos os outros personagens, independente de qualquer coisa, são um retrato da vida cotidiana e de todas as faces que a liberdade cria em nossa sociedade. Mais uma vez, falo sobre a atemporalidade da obra. Trinta anos podem se passar, mas a obra continuará viva e sendo um dedo na ferida de todos os filósofos da vida besta.





segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Filme #1: Nos tempos da vaselina - José Miziara [1979]


Bem, eu não sei como começar esta crítica, já que a obra é tão genial. Eu poderia não falar nada, deixar apenas a indicação e dizer que o filme é genial - mais uma vez -, mas eu vou falar sobre o filme. Onofre será o nome mais repetido dentro deste texto, pois nenhum pronome é digno de representar nosso astro mais radiante. Tomem isso como uma licensa poética.
É um filme vadio, ruim, esdrúxulo e todos os adjetivos que possam ser atrelados a uma obra da pornochanchada, mas uma coisa eu tenho que admitir: a obra é de uma genialidade que não tem tamanho.
Conta a história de um anti-herói, que mesmo perdendo todas batalhas, consegue vencer a guerra. Por mais contraditório que esse fato seja, a obra nos conduz por um labirinto de pequenas tramas que nos faz acreditar em algo que não tem fundamento. Onofre é como cada um de nós: um sujeito sem sonhos, sem músculos e sem talento, mas com um desejo de foder. É, Onofre só quer foder. Transar, pegar uma menininha e fazer amor com ela. E com apenas esse desejo, ele vai em busca da iluminação pessoal. Como um buda do interior, perdido no meio do Rio de Janeiro, Onofre levanta sua espada e grita em desacordo com os padrões sociais.
Ele só quer foder. Nada muito complexo. Não tem dinheiro para pagar um jantar, não sabe o que é lsd nem pega pesos para engrossar os braços. Onofre sabe que não precisa se tornar mais um macaco que se sustenta nos galhos da sociedade mal construída do Rio de Janeiro dos anos 70. Onofre sabe as armas que tem e sabe até onde pode chegar com elas.
Onofre, na verdade, é um de nós. Um de nós adolescentes que só quer saciar o desejo sexual reprimido, sem ter que ir a lugares muito distantes de seu horizonte de vida. Onofre é uma metáfora para o homem evoluído. O homem evoluído que é uma piada para os homens arcaicos. O Homem evoluído "não vale nada", mas que toma tudo de forma encantadora e mágica.
E apesar de todos os pesares passados, apesar de perder a última batalha e ser rebaixado a tão pouco no universo da obra, Onofre apenas se ergue dentro do conceito do personagem construído.
É como um homem das ruas que passou fome durante 2 dias e que é tido como atração por comer além do esperado. Ele, que consumiu a vaselina sem precisar de lubrificação. Ele que consumiu a vaselina, mas sofreu com a seca de todas as batalhas. A mais bela imagem de anti herói que eu conheci.
Todos nós temos um pouco dele e ele tem um pouco de todos nós. Onofre: um personagem atemporal que não tem noção dos seus poderes. 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Livro #1:Morangos mofados - Caio F. Abreu - [1983]


Caio passou seus últimos dias cuidando do seu Jardim, na casa de sua mãe.


A arte não tem tempo

Não conhecia Caio. Na verdade, o conhecia sim, mas era o Caio dissimulado, amoroso e clichê que perambulava pelos perfis das redes sociais pseudo-cults. N'"Os sobreviventes" já foi um pedaço de mim cortado pela faca amolada da realidade paralela de Caio. Em "O dia em que saturno entrou em escorpião" foi-se outro pedaço. Apesar de não entender nada de astrologia, viadagem ou conhaque, Caio ia acertando suas flechas em mim aos poucos, como quem não quer acertar. Como quem quer acertar mas não anuncia isso aos gritos.

Uma transa no meio de uma madrugada chuvosa entre Bukowski e Drummond. E sem preconceitos ou esteriótipos de sociedade: temos como resultado uma bicha que devorou minha cabeça com suas palavras. Um cara que, mesmo preso nos anos oitenta e pouco, com sua vitrola e seus ideais, conseguiu fuzilar-me em meio às tecnologias e transporte públicos dos anos 10.

Fui flagrado lendo Caio num intervalo da faculdade e a professora me falou que o livro era uma crítica social aos anos 80 e todas as suas repressões e ideais que lá morreram. Eu então me prostrei a pensar: estaria eu com minha mente presa há 30 anos atrás?
Eu nem sequer tinha essa idade, mas havia algo de mim dentro de Caio - ou seria algo dele dentro de mim?. Eu também tinha um gosto estranho de morangos mofados na boca.

É a década de 10 revirando o estômago do tempo.



Os personagens são como amigos, concluo com uma amiga. E todos os personagens de Caio em "Morangos mofados" me parecem velhos conhecidos. Apesar de uma indevida introspecção, eles têm um pouco de mim e deles mesclando na essência do ser. E o que são os amigos afinal?

Na verdade, todos os contos me parecem um só. Todos os personagens me parecem um. Que na verdade, também se parece comigo. Todos eles com suas bebidas, seus trejeitos, seus cigarros, baseados, carreiras de cocaína, amores sujos e doentios, beijos amargos e um gosto amargo de morangos mofados. Todos os cenários são sépias. Aqueles que a descrição não diz se está amanhecendo ou anoitecendo. Só sabemos que a luz lambe as calçadas de leve e se derrama por entre os prédios.

Morangos é uma obra de arte. Não sei se a Obra-prima de Caio, já que foi minha primeira vez com ele, mas é uma obra sem dúvidas. Uma obra pintada à aquarela. Um quadro surrealista da realidade passageira que habita o meu quarto.

E que Caio empunhe sua arma e me fuzile mais vezes.