terça-feira, 25 de março de 2014

Livro #5: Sursis, de Jean-Paul Sartre [1947]



bugbugbug


Sursis, no dicionário online qualquer:
Suspensão ou adiamento da sentença condenatória ou da execução da pena com a finalidade de reeducar o criminoso, impedindo que delinquentes condenados a penas de reduzida duração fiquem privados da liberdade, restrição que se agrava pelo convívio com outros de maior periculosidade (CPP: arts. 581, XI, e 696 a 709; Lei nº 1.521/1951: art. 5º).

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Tente novamente mais tarde.
Já pensou se algum dia os homens deixassem de existir e as árvores crescessem sem nada para podá-las? Em quanto tempo tudo que o homem levou milênios pra construir estaria abaixo das copas, do cheiro doce da grama?
Eu faço faculdade. Saio de casa todos os dias para ir à aula, com meu caderno de anotações, alguns textos xerocados e uma vontade de ficar pelo caminho. Há tempos que a faculdade não é mais um sonho. Há tempos que virou uma roleta russa. Eu mesmo girei, girei e caí em meu curso.
E se você vier me dizer "faz o que tu gosta, é melhor", eu tenho uma resposta na ponta da língua: o que eu gosto não se aprende em faculdade. Nem na vida. Eu não gosto das coisas a ponto de querer lutar por elas. Estou fazendo o curso que faço porque caiu na minha porta e é mais fácil pra mim aceitar do que rodar o universo acadêmico todo para encontrar algo que me "fascine e me faça levantar feliz todos os dias".
Será que já ocorreu na cabeça de mais alguém que a gente tá preso?
Nós temos a liberdade de escolher, mas não a de concretizar. E já pensou que louco você querer escolher uma opção que não existe ainda? Já pensou que louco você não se adequar a nenhuma das cadeiras da faculdade por natureza?
Já pensou que louco você não se adequar a nenhuma das cadeiras da faculdade por natureza?

Não, eu não sou o revolucionário. Eu vou pra aula, estudo, ganho bolsa e faço estágio, pois assim as coisas ficam mais fáceis. Mas isso não impede que quando eu deite minha cabeça em meu travesseiro velho, liberto das agonias suburbanas, eu pense que há alguma coisa errada com tudo isso. O mundo parece que tá errado. As coisas que nos fazem acreditar, o amores que nós somos obrigados a ter.

"Afinal, eu parto porque não posso deixar de partir. - Um como um carneiro indo ao matadouro"

Poema "Canção Urbana", de Luís Carlos Guimarães

E Sartre me ensinou um pouco disso. Por mais livre que a gente esteja, a gente tá preso dentro da liberdade. Estamos condenados a sermos livres. O universo sempre vai dar um jeito maroto de meter a mão no meio dos sonhos de quem tem, no meio dos orgasmos de quem gosta e no meio do resultado da final do campeonato europeu. A copa do mundo está aí, os desmoronamentos esquecidos pela população nos morros do Rio de Janeiro, o adolescente que assassinou as crianças na escola do Realengo. Columbine.
Tudo segue um curso. O curso do erro, da prisão na realidade e das limitações do próprio homem como ser facilmente aliciado.

Tudo segue nos mesmos moldes, sempre. Até mesmo as maiores revoluções.

"Como todas as manhãs, Mathieu pensava <<Como todas as manhãs.>>"

E eu pareço errado em me sentir mal pelo estacionamento do acaso perante nós. São duas da manhã e eu estou me sentindo errado por pensar assim. Me olhar no espelho e ver que eu não tenho planos mirabolantes, não tenho desejo de transar com aquela guria gostosa da minha turma e nem ao menos sonho em ter uma família. Olhar no espelho e saber que eu não sou um cidadão decente, comum e me sentir mal. Tudo isso porque eu penso demais, leio demais e vejo as entrelinhas das artes.
E porque não ser um homem comum apenas? Ir pra faculdade, tirar boas notas e deitar na cama sem culpas e sem ressentimentos. Deitar na cama e sonhar com uma família, com um carro do ano e com um piquenique com a minha futura sogra. Tudo isso porque usei a capacidade peculiar do ser humano? Se esse é o diferencial do ser humano quanto ao resto dos animais, por favor, me transformem num boi e me matem para saciar seus vícios malévolos, que eu me sinto mais útil.

me matem para saciar seus vícios malévolos, que eu me sinto mais útil. 


"Exausto. Completamente exausto. Dantes, eu carregava os dias às costas, fazia-os passar de uma margem para a outra; agora são eles que me carregam"

Admiro os muçulmanos, os kamikazes de alguma das guerras das quais eu esqueci o nome. Admiro seitas ocultistas que dão um sentido para a morte baseadas numa fé coletiva. Parece-me mais sensato do que acordar todos os dias e ser um cidadão comum.

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Sursis - Jean- Paul Sartre

No segundo volume da trilogia "Os caminhos da liberdade", Jean-Paul Sartre nos mostra a flacidez da vida perante as obras do acaso. De como nosso papel na sociedade pode ser interferido pelo papel dos outros. Todos nós somos seres humanos, sujeitos à fraqueza do nosso sistema socio-econômico-cultural. Num enredo entrelaçado por várias histórias, Sartre narra quase que cinematograficamente um contexto diferente do período entre as duas grandes guerra. Especificamente, o período que se desenrolam os acontecimentos que dão impulso para o estopim da guerra.
Totalmente diferente do primeiro volume, Sartre apenas trás apenas os personagens de "A idade da Razão", como que para dar um desfecho para a história, acalmar o leitor que queria as tramas do primeiro livro resolvidas e para aproveitar da diversidade socio-biológico-cultural dos personagens perante os acontecimentos políticos e humanistas que degringolam ao longo das páginas.
Não é uma leitura muito fácil. Admito que minha edição em português de portugal e mal editada não contribuiu muito, mas Sartre invoca um estilo inovador de escrita (para mim): pula de uma cena pra outra sem dar aviso prévio. Sem pular um parágrafo, iniciar um novo capítulo ou, às vezes, nem sequer usar um ponto final. Começar uma frase na Espanha e terminar em Paris é um pouco complexo pra quem está acostumado com narrativas que segue uma linha de raciocínio mais literal e menos cinematográfica.
Os personagens de "A idade da razão" aparecem como plano de fundo de uma sacada maior. Um tanto moldados e com outras razões para viver, eles não são o foco principal da obra, ao contrário do primeiro livro, que tem foco na resolução do problema de Mathieu/Marcelle.
Mathieu aparece em Sursis mais resignado com a sua fraqueza em cumprir a promessa feita aos dezesseis anos. Aparece como mais velho e maduro, como quem aprendeu algo com os acontecimentos passados. Como um homem na idade da razão.
Ivitch, a musa que iluminou minha leitura no primeiro livro me fez passar po momentos de angústia na espera cansativa de que ela aparecesse logo. Mas, como era de se esperar, ela me surpreendeu bastante e fez o que tinha de fazer.
Além das figurinhas repetidas do primeiro livro, temos a aparição de novas: Gros-Louis, Philipe, Pierre, Maud e muitos outros, personagens que aparecem claramente para mostrar os vários tipos perdidos pela nossa humanidade e suas devidas posições quanto à fraqueza perante à liberdade de nosso mundo.
Com um enredo que flui como um puxar de gatilho, Sartre me atingiu. Tenho medo de ler o terceiro volume e receber um terceiro tiro no peito. 

Fiquem com uma foto bela do nosso amigo genial e subestimado pelos sucesso da nova literatura:
O pior disso tudo é que se eu o visse na rua, não daria nada por ele.

sábado, 8 de março de 2014

Livro #4: O espadachim de carvão, de Affonso Solano



Não li "Senhor dos Anéis" e não pretendo ler tão cedo. Nunca fui muito fã de histórias de fantasia, nem de trilogias. Eu gosto de obras possíveis. De obras que falam da vida besta e de seus rumos loucos e incontroláveis. "Então porque você queria tanto comprar 'Espadachim de carvão' desde que ele foi lançado, João?"
Pelo autor.
Há pessoas nessa vida que parecem carregar um pequeno pedaço de suas ideologias, de suas angústias e alegrias. E você, por vezes, fica a se perguntar como essas pessoas chegaram a pensar nas mesmas coisas que você. Quais experiências levaram ela a chegar no mesmo lugar que você chegou. E desde que conheci Affonso Solano (com dois "ff" de faca!), eu pensava nisso. Pensava em como a infância no pantanal, como a ideia de ser o irmão mais velho de alguém e como outras idiosincrasias dele fizeram ele formar uma mente, de alguma forma, parecida com a minha.
Acho que pessoas fodas fazem coisas fodas, seja o que for. As ilustrações do cara eram boas, as opiniões no MRG e os textos do TechTudo. Tudo que esse cara botava as mãos, no fim das contas, eu gostava de alguma forma. Então porque eu não iria querer o livro dele? Pelo simples fato de o livro se enquadrar nos padrões das epopéias fantásticas e eu não apreciar esse tipo de coisa?
Affonso Solano - com dois f de faca - e Adapak (na camisa)
Uma das maiores qualidades dos seres humanos é a capacidade de superar seus próprios limites, seja como for. Há pessoas que têm medo de altura e fazem terapias ao longo dos anos e no fim das contas, botam a cara na janela de uma cobertura de 30 andares. Há pessoas que comem carne a vida toda e, de uma hora pra outra, viram vegetarianos. Eu, em meus instintos mais humanos, fiquei louco pra comprar "Espadachim de Carvão".
Confesso que não foi a compra mais fácil do mundo, pois duas coisas não casavam: eu ter dinheiro e o estoque da livraria que frequento estar de pé. Por fim, há quase um mês, essas duas coisas casaram e eu adquiri "Espadachim de carvão". Não sei quanto as outras regiões do país, mas os ônibus aqui têm 3 portas: embarque, desembarque e uma porta que fica no meio do ônibus, que é uma mescla de emergência e acesso a cadeirantes. Como a porcentagem de cadeirantes é bem mínima, principalmente nas últimas linhas da noite, a porta do meio quase nunca abre, e vira alternativa de assento para quando o ônibus está cheio. Principalmente quando ler em ônibus em movimento se torna uma tarefa difícil.
Foi ali que conheci Adapak. Ao chegar em casa, li mais um pouco e fui percebendo que a fantasia, na verdade, era um aumento de realidade. Kurgala, na verdade, era o nosso mundo visto com outras lentes. E eu me sentia um pouco Adapak.


Aos poucos, quando fui avançando na leitura, percebi cada vez mais as ideologias que eu e Solano tínhamos em comum, perdidas em meio aos diálogos extraordinários de personagens extremamente bem construídos.
O livro tem um ritmo que lhe faz não querer parar de ler, pois conta várias pequenas histórias de formas paralelas e que lhe prendem cada vez mais à história central. Parecia uma técnica bem pensada para tornar o livro vendável ou algo do tipo, mas pouco importa: Solano estava como sempre esteve, e para mim, isso bastava.
Apesar de o livro usar de vários artifícios para não deixar o leitor descansar o livro, eu interrompi a leitura muitas vezes. E não por ficar entediado ou por achar outra coisa mais interessante pra fazer, mas por não conseguir digerir tudo que me era posto. Era preciso pausas para pegar as metáforas, fazer analogias e sorrir sobre as verdades que me eram expostas ali e que já me tinham sido apresentadas de outras formas pelo Solano. Eram as ideologias que me ligavam de uma forma estranha a ele.

Para mim a arte sempre teve dois gumes: o escapismo da realidade através da distração que ela nos propicia e a metáfora para a vida real, que nos faz aprender com ela. E eu entendi que era por isso que eu não gostava de Aventuras Épicas, pois elas quase nunca casavam o escapismo com uma metáfora de uma forma que eu achasse realmente instigante e interessante. Mas como era de se esperar, Affonso conseguiu fazer isso para mim, e pelo que vejo, com muito mais pessoas.

A obra é de uma grandiosidade inestimável para mim, agora que a tenho na minha estante. Talvez não seja para todo mundo do jeito que foi pra mim, mas isso também é de se esperar. Nem todo mundo vai atar as linhas em nós. Nem todo mundo vai colocar as experiências que eu coloquei na leitura. Mas de uma forma ou de outra, indico este livro para todas as pessoas, de todas as idades. E sabe o que eu acho? Acho que os anos passarão e "Espadachim de Carvão" não deixará de ser a obra atual que é.


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Para completar a experiência com a obra, aconteceu algo extraordinário, que me deixou bastante feliz. Como já disse, acompanho os vários trabalhos do Affonso Solano e aprecio a pessoa por trás de todos eles. E como um seguidor nato de uma figura internética, sou seguidor do Affonso no Facebook. Quando acabei a leitura, me senti praticamente obrigado a mandar uma mensagem, seja lá o que eu fosse escrever. Tudo que a obra despertou em mim não podia ficar simplesmente aqui dentro e nas indicações para os meus amigos e amigas. Mandei uma inbox pro cara. Segue:




Até aí, de boas. Parabéns, cara. Você é foda. Obrigado por escrever uma das obras mais fantásticas que eu já li. Mas aí vem o ápice da parada: ELE RESPONDEU!

Segue pra vocês a resposta:
Pode não ser muito para a maioria das pessoas, mas eu fiquei muito feliz com a resposta. E pode ter certeza de que essa foi a mensagem mais foda que me mandaram no Facebook.



quarta-feira, 5 de março de 2014

Livro #3: Mulheres - de Charles Bukowski [1978]

Talento.
O que se espera de um livro que fale sobre mulheres?
Tudo, menos que se perca a vontade de ter um relacionamento, seja ele fixo ou casual.
Bukowski sendo mais uma vez o dedo sujo no meio da ferida limpa que parece ser nossa realidade bonita. Sabe, cresci numa família um tanto tradicional, onde se cresce, se estuda e então torna-se alguém na vida. Numa família de classe média baixa que acha que tem poder de consumo e acha que isso é algo a se valer. Na verdade, uma família sem méritos, que se vangloria no Tio, no Avô, que fizeram alguma coisa para o mundo.
Cresci numa família onde se deve trabalhar, beber no fim de semana pra esquecer a dureza da vida  e rir no domingo de noite com o programa de humor na TV.
Aos 10 anos, numa visita casual ao interior, comprei um livro pra ler na viagem. Um casual: Misto Quente. E de repente, percebi que tinha um pouco de mim naquelas páginas.
Lembro que o livro começava com a primeira lembrança de Henry Chinaski e terminava com este já numa idade onde se pode considerar-se adulto, vendo o declínio do mundo na pólvora de uma guerra.
Eu era o Henry Chinaski, derrotado e oprimido sem ter noção disso, embaixo da mesa da cozinha. E quando ele passou a descrever seu envelhecimento, ficou a questão na minha cabeça: será que eu me tornaria aquelas coisas que ele estava vomitando nas páginas daquele livro?

Sim, aqui estou. Derrotado antes de chegar à maioridade.

Em "Mulheres", de 1978, Bukowski fala sobre sua relação com as bocetas, peitos, bundas e por consequência, as mulheres e sobre seus questionamentos existenciais, camuflados em cada copo de Vodca+7up, em cada vinho barato embrulhado em sacos de papel pardo. E eu me pergunto se vou me tornar tudo que ele se tornou.
Acredite ou não: eu já me tornei.Só não tenho ainda os culhões necessários para sair do meu quarto e combater a "depressão" que me assola. Só não tenho o que ele tinha disponível para ser ele mesmo: uma fé desesperada na desgraça do mundo.
O que há de diferente de mim aqui, deitado, de cuecas e escrevendo? Se sentindo deslocado em todos os lugares em que vai, se sentido derrotado pelo pensamento errado que todas as pessoas têm e sem se preocupar muito com o que vai vir depois.
Eu gosto de ficar deitado na minha cama e me sinto muito mais útil para o mundo aqui, sem cobrar espaço dentro do ônibus, sem ser mais uma cadeira ocupada na faculdade ou no cinema. E se eu tivesse como, terminaria meus dias com mulheres ignóbeis e com vodca barata. Definharia o fio de resto dee vida com um suicídio lento à base de álcool etílico, não ligando para regras de acentuação da nova ortografia.
Mas Buk sempre foi sincero consigo mesmo,e eu peco aí. Eu minto para alimentar algo que nem sei o que é, mas que me faz querer levantar da cama de alguma forma, querer conseguir um emprego decente e uma casa decente. Apesar de saber que o meu João interno quer se derreter nas vodcas e nas bocetas da vida.

Uma mente pessimista diria que este livro é horrível e que acabou o meu relacionamento. Mas eu não digo isso. O livro é fantástico e meu relacionamento nem devia ter começado.
Por mais que eu procure dar alguma ênfase a qualquer coerência de ideias nesse texto, nada vai se encaixar, pelo simples fato de ser eu, João Neto Guimarães, falando sobre o filho da puta grotesco e aterrorizante do Bukowski. Nada que eu diga vai valer como um argumento válido, pois ninguém passou tanto tempo pensando na porra da vida da forma que esse velho ensina nas entrelinhas. Ninguém percebeu a metáfora dos navios de forma tão colossal. Ninguém que curte as páginas de frases do bukowski no facebook vai sacar as coisas como eu saquei. Não estou me chamando de gênio ou de completo entendedor do Charles. Só digo que Ninguém vai ter o mesmo olhar que eu pras coisas dele, porque ninguém viveu as coisas que eu vivi, nem tem o olhar que eu tenho. Ninguém vê o mundo da forma como eu vejo. E isso não se chama vanguarda intelectual ou individualismo, é apenas teoria da identidade.
E se alguém vir as coisas do jeito que eu vejo, não precisa das minhas palavras para confirmarem nada.
Lembrem-me de eu não fazer mais críticas sobre Bukowski, não vão dar em nada, apenas em enchimento de linguiça pósmodernista e pagadora de cult das redes sociais.
Aí eu olho pro lado e pergunto "porquê?" em voz baixa, às 8 e 9 da manhã, sem ainda ter conseguido dormir. Deve haver mais. A vida não pode ser só isso. (risos)