sexta-feira, 23 de maio de 2014

O pícaro russo, de Gary Shteyngart



à Isaac 
Garrincha tinha pernas tortas. Ele é um dos meus maiores idolos. Eu não gosto de futebol.
Perceba nas três afirmações acima destruições de personalidade, sentimento de aceitação e  uma história de superação, distribuídas de forma aleatória pelo universo. Vou responder a uma  pergunta que às vezes eu mesmo me faço quanto às três afirmações anteriores.  

Porque João é fã de Garrincha, se este era um jogador de futebol com pernas tortas e  nem de futebol João gosta?  
Mais uma pergunta: João gosta de pernas tortas?

Garrincha tinha tudo para dar errado, mas deu certo. Assim como Cazuza e assim como eu. Cazuza tinha problemas vocais. Até mesmo Sartre, com sua vesgueice, sua feiúra e todos os questionamentos que ele crucificava em seu próprio eu, no fim das contas, deu certo de alguma forma. Eu não me preocupo com a forma como estes exemplos que estou citando deram certo, apenas com o fato deles  terem dado certo sob uma perspectiva adorável para a nossa sociedade. Mas e eu? Onde eu entro nisso?  Qual o meu erro e minha carta na manga? Meu defeito e minha absurda genialidade de fazer dela uma qualidade.
Eu existo. E sabe o que há de sucesso nisso? Há todo o sucesso do universo, mas ao mesmo tempo não há nenhum.  Só imagino aqui dentro, no turbilhão defeituoso que é meu pensamento que há alguma coisa de errado no fato de  ter ganhado a gloriosa corrida dos espermatozóides. É a cegueira do universo. É, eu ganhei. Mas ao sair do útero, devo ter me perguntado inconscientemente: e agora?  Agora eu tô aqui.  
Eu não escolhi, mas sou brasileiro, cidadão desse mundo. Cidadão do mundo louco de meu deus. Tenho carteira de  identidade, cpf, cartão de crédito, matrícula na faculdade, email, boleto bancário com meu nome... Eu tenho até  um nome. Uma etnia. Mas tudo isso não passa de uma confederação de erros.  Como diria Hemingway: "Eu entrei errado".

O Pícaro Russo vem pra isso. O pícaro russo é a vitória do erro. É o Garrincha, o Caju, o Neto. O homem que  responde com a vida ao questionamento: viver pouco como um rei ou muito como um zé?  
O lance é viver.
E se eu estivesse falando a última frase, ela não teria uma exclamação verbal, assim como  não tem uma textual. Não teria dito-a com alegria ou efusividade positiva. É apenas uma sequência de letras derrotadas por um ponto final. E não seria a mesma coisa se fosse uma vírgula, interrogação. Pelo menos não para mim. Cada um coloca a pontuação que quiser no final dela. Mas pra mim, ela é um ponto. E talvez  nunca deixe de ser.  

E para variar, eu me perdi novamente no assunto. E eu não vou editar isso para que minha falha seja camuflada.  Voltando ao assunto, eu sou brasileiro. Sou, mas não escolhi. Não estou dizendo que se eu pudesse escolher,  eu não teria escolhido o Brasil como nãção. Acho que estou até um tanto satisfeito com tal. Mas a questão é  apenas que eu não escolhi. Assim como eu também não escolhi ser parte de tudo isso. Não acho triste como outros  estudiosos do humanismo acham, só acho que pouca gente consegue ver isso. Sabe, o lance não é com o Brasil.  
Mas a gente não escolheu ter dois olhos ou cabelos pretos.  
Assim como Vladmir Girshkin não escolheu ser um judeu russo erradicado nos EUA.  

Voltando um pouco aos erros que deram certo, tenho um dado interessante sobre Mané Garrincha: "Ele e Pelé, juntos, jamais perderam um jogo pela Seleção Brasileira, 35 vitórias e cinco empates em 40 jogos." E um dado também bastante interessante sobre Caju: "Em apenas nove anos de carreira, Cazuza deixou 126 canções gravadas, 78 inéditas e 34 para outros intérpretes."
Sartre: "Jean-Paul Charles Aymard Sartre morreu em Paris, França, no dia 15 de abril de 1980".
Sobre Vladmir Girshkin eu tenho um livro com 450 páginas de pura excelência fantástica. 
E sobre mim mesmo, o que tenho? Tenho frustrações e canções num mesmo barco paradoxal. E um desejo pela simplificação do caos. 

Eu tenho um desejo estranho que me faz levantar todas as manhã: o de simplificar o caos indivisível que cerca a minha invisibilidade. Com licença, vou limpar meu óculos. Ela já me deu boa noite. 

"Eu sou um erro posto aqui e tenho consciência do meu erro. E eu não cometo mais erros em cima do erro que eu sou" PETRY, Arthur

2 comentários:

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  2. Apenas orgástica com as fotos do Caju - aquela linguinha meio "presa"- e, claro, com os desvaneios do erro. Penso se, não escolhemos isso, estaríamos isentos da culpa do erro de existir (?) E, entre ser Rei e Zé?! Caju diz: "Vida louca vida, vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve" Isso aí, fim do doce de Caju. HAUHSUAHUS

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